São Paulo, 20 de novembro de 2025.
Caras e caros colegas da Associação Brasileira de Professores de Italiano,
Escrevo estas palavras como quem respira fundo depois de um longo ciclo. Nos últimos dois anos, vivemos algo que apenas agora consigo nomear com serenidade: uma gestão ‘leve’ que nasceu de um trauma profundo. Em 2023, no vigésimo congresso da ABPI, em Salvador, um episódio trouxe à tona questões raciais e abalou a nossa estrutura institucional, emocional e humana. O acontecimento, descrito detalhadamente na ata lida por mim durante a assembleia deste ano, não foi um incidente isolado; foi o espelho incômodo de uma sociedade que insiste em atravessar corpos negros com violência simbólica. A associação inteira sentiu a fissura. Eu senti no corpo, na alma e em minhas relações de coleguismo e de afeto.
Assumir a presidência depois daquilo foi, para mim, um gesto de coragem e de risco. Ser uma mulher negra conduzindo uma associação nacional, composta majoritariamente por docentes brancos, num país que insiste em naturalizar hierarquias raciais, nunca foi tarefa isenta de tensões. Ainda assim, escolhi caminhar com leveza. Não porque os pesos não existissem, mas porque decidi não permitir que eles estruturassem o futuro da ABPI.
Leveza, aqui, não significa silêncio. Significa não deixar que o trauma determine o horizonte. Significa transformar o que doeu em trabalho e cuidado, é a tentativa de mudança na cultura institucional. Trata-se de uma ‘leveza’ consciente e muito bem planejada para a condução da ABPI com firmeza de princípios e suavidade de gestos, bem como para a reconstrução da confiança no coletivo sem apagar a marca da violência experienciada.
Nestes dois anos, procurei cultivar alegria. Não como fuga, mas como postura política. Alegria como possibilidade de respirar outro futuro, como lembram Sueli Carneiro e Conceição Evaristo. Alegria como método de reparação e como força de continuidade.
E terminamos este ciclo com um congresso luminoso. Um congresso que não nega a história, mas que mostra que é possível reerguer uma comunidade com ética, afeto, rigor acadêmico e sensibilidade humana. Um congresso que parece ter devolvido à ABPI o que ela merecia, pertencimento, acolhimento e inspiração.
Ao olhar para trás, vejo que esta gestão foi leve não porque faltaram desafios, mas porque escolhemos não permitir que a dor do racismo nos definisse. Transformamos o trauma em movimento. E a leveza, aqui, não é superficialidade: é resistência. É a recusa de carregar sozinha o que nasceu de uma violência coletiva e a afirmação de que corpos negros podem liderar com doçura, firmeza e alegria. Isso também é reparação.
Encerramos este ciclo com a certeza de que a ABPI é maior do que a dor, porque aprendeu com ela. Maior do que o episódio de 2023, porque se permitiu reconstruir e do que qualquer estrutura que tente reduzir nossas possibilidades de existir com dignidade.
Aproveito esta carta para reforçar que teremos assembleia em 02 de dezembro de 2025, às 16h30 e que estão abertas as inscrições de chapas para a próxima diretoria. Desejo profundamente que haja candidatos e que a próxima gestão encontre caminhos ainda mais amplos, sustentados pelo que plantamos: ética, respeito, pluralidade, afeto e, sobretudo, a coragem de imaginar um futuro sem repetir as feridas do passado.
Com carinho e esperança,
Paula Garcia de Freitas
Presidenta da ABPI (2024–2026)